Laura corria noite afora, molhada, ofegante e enfurecida, soluços de raiva saíam de sua garganta como se fossem corpos estranhos que a feriam e eram expulsos. Correu não mais que uns cinquenta metros, em que sofreu dois tropeções. O joelho esquerdo dolorido e o orgulho destroçado fizeram-na estacar e quase jogar-se contra uma parede, para sorver o ar que os pulmões queimando de dor exigiam. Observou ao redor e sentiu uma pontada de raiva de si mesma: tomara o rumo de sua casa, o instinto a fizera virar à direita e descer pela rua que seguia rumo ao bairro da Liberdade, onde ainda residia e não queria permanecer por mais um minuto.
Olhou para um lado e outro, incerta do que fazer, até que a imagem dos vultos sinistros que cercaram o carro na escuridão do Glicério encheu a consciência; pareciam se esgueirar pelas sombras da noite chuvosa. Ficou rija de medo e murmurou por Ingrid, chamou por pensamento e por voz sua mentora: mais uma vez pôs o respeito por si mesma de lado.
– Mestra, eu te invoco, eu te convoco, eu te…ohh, ahhh. Te… imploro, venha a sua pupila, que pede a proteção de seus poder…
– Mais olha só que moça bonita, Tonhão! Ôche! Coitada, debaixo da chuva, sozinha, chorando. Cê tá bem, princesa? Que qui ti aconteceu?

Uma garota trajada com a típica indumentária de “gótica-roqueira rampeira e pervertida”, como Laura ouvira uma miríade de vezes em sua ainda curta vida e, estava certa disso, ouviria outras tantas, um epíteto que já lhe causara muito desgosto, mas também a enchera de orgulho, se era dito por certas pessoas na ocasião correta, que desembarca de uma bmw nova e põe-se a caminhar altiva e calma, indiferente à chuva agora reduzida a uma garoa mais grossa e pouco incômoda, chamaria a atenção em qualquer momento de qualquer noite ao desfilar na rua que ostentava os significados Sublime e Sagrado em seu nome e cujos frequentadores davam tratamento de sagrado e sublime ao hedonismo barato e à depravação rala e inofensiva. E assim foi: Laura experimentou por algum tempo tomar a atenção na esquina, rostos e pescoços voltados a ela de modo ostensivo, enquanto caminhava cheia de pose na direção do primeiro bar aberto e movimentado que encontrou, sabedora que sua mestra estava próxima e alerta.